quarta-feira, 22 de abril de 2009

A POESIA ATORMENTADA DE JUNQUEIRA FREIRE


O poeta e religioso católico baiano Luís José Junqueira Freire (Salvador 1832 – Idem 1855) fez os estudos primários e os de latim precariamente em virtude da saúde abalada. Em 1849, matriculou-se no Liceu Provincial de Salvador no qual se destacou como excelente aluno. Para fugir da pressão familiar ingressou na “Ordem dos Beneditinos”, em 1851. Na clausura do Mosteiro de São Bento, em Salvador, viveu amargurado, revoltado e triste pois não manifestava a menor vocação monástica, mesmo porque tinha tomada a decisão irrevogável dos votos perpétuos. Nesse período, porém, pôde ler muito e dedicar-se à poesia. Trabalhou, também, dentro do mosteiro, como professor; atendia, então pelo nome de Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire. Pediu a secularização em 1853, recurso que o libertava das disciplinas religiosas, mas que, por força dos votos perpétuos, tinha que permanecer sacerdote. De volta à casa da mãe em 1854, redigiu uma pequena autobiografia. Pouco antes de sua morte, aos 23 anos, fez publicar seu único livro em vida que intitulou “Inspirações do Claustro”. A obra de Junqueira enquadra-se na terceira fase do romantismo, também chamada de ultra-romantismo, ligado aos padrões do neoclassicismo. O equívoco na sua escolha monástica refletiu seriamente nos seus escritos. Seu estilo mais fechado não permitiu ao poeta expressar todos os sentimentos reprimidos. A obra de Junqueira Freire mereceu um louvor, como também uma crítica por parte do poeta, contista, cronista, romancista, dramaturgo e ensaísta fluminense Machado de Assis (Rio de Janeiro 1839 – Idem 1908). Foi louvada pela forma sincera como retratou todo o drama de uma pessoa presa a uma falsa vocação; crítica ao modo dessa poesia que caiu no genérico e no prosaico. Machado ainda disse que os versos de Junqueira não são palestras de sacristia nem mexerico de locutório, mas sim um livro profundamente sentido, uma história dolorosamente narrada em versos, muitas vezes duros, mas evidentemente saídos do coração. A sua breve e sofrida passagem pelo mosteiro forneceram ao poeta as características de sua personalidade, conflitantes, porém. Disse Junqueira no prólogo de Inspirações do Claustro: “Cantei o monge, porque ele é escravo, não da cruz, mas do arbítrio de outro homem. Cantei o monge porque não há ninguém que se ocupe de cantá-lo. É por isso que cantei o monge, cantei também a morte. É ela o epílogo mais belo de sua vida: e seu único triunfo”. O sofrimento e a clausura deram a Junqueira o tormento que a sua alma precisava para nos presentear com belíssimos poemas. O poeta é o patrono da Cadeira nº 25 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Franklin Dória (Itaparica 1836 – Rio de Janeiro 1906) poeta, orador e político baiano. Obras: Inspirações do Claustro (1855); Elementos de Retórica Nacional (1869); Obras, edição crítica por Roberto Alvim, 3 vols. (1944); Junqueira Freire, org. por Antonio Carlos Vilaça (Coleção Nossos Clássicos, nº 66); Desespero na Solidão, org. por Antonio Carlos Vilaça (1976); Obra poética de Junqueira Freire (1970). Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Junqueira:



Teus Olhos


Que lindos olhos

Que estão em ti!

Tão lindos olhos

Eu nunca vi...

Pode haver belos

Mas não tais quais;

Não há no mundo

Quem tenha iguais.

São dois luzeiros,

São dois faróis:

Dois claros astros,

Dois vivos sóis.

Olhos que roubam

A luz de Deus:

Só estes olhos

Podem ser teus.

Olhos que falam

Ao coração:

Olhos que sabem

Dizer paixão.

Têm tal encanto

Os olhos teus!

— Quem pode mais?

Eles ou Deus?



Sonho


Era um bosque, um arvoredo,

Uma sagrada espessura,

— Mitológica pintura

Que o romantismo não faz.

Era um sítio tão formoso,

Que nem um pincel romano,

Nem Rubens, nem Ticiano

Copiariam assaz.

Ali pensei que sonhava

Com a donzela que me inspira,

Que põe-me nas mãos a lira,

Que põe-me o estro a ferver;

Que me acalenta em seu colo,

Que me beija a vasta crente,

Que me obriga a ser mais crente

No Deus que ela julga crer.

Sonhei com a visão dourada,

Que todo o poeta sonha,

— Idéia gentil, risonha,

Tão poucas vezes real!

Que só, com o peito abafado,

Se vai de noite em segredo

Contar no denso arvoredo

Ao cipreste sepulcral.

Mas, despertando do sonho,

Que aos homens não se revela,

Achei comigo a donzela,

Me apertando o coração,

E ainda presa a meus lábios,

Entre um riso, entre um gemido,

Murmurou-me ao pé do ouvido

— Que não era um sonho, não. —

E não mais, enquanto vivo,

Deixarei esta espessura,

— Mitológica pintura

Que o romantismo não faz.

Era um sítio tão formoso,

Que nem o pincel romano,

Nem Rubens, nem Ticiano

Copiariam assaz.



Soneto


Arda de raiva contra mim a intriga,

Morra de dor a inveja insaciável;

Destile seu veneno detestável

A vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se todo, em traiçoeira liga,

Contra mim só, o mundo miserável.

Alimente por mim ódio entranhável

O coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;

Sei desprezar um nome não preciso;

Sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso

De uns lábios de mulher gentis, ufanos;

E o mais que os homens são, desprezo e piso.



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