segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

JACINTA PASSOS E A POESIA MILITANTE




por Enzo Carlo Barrocco



Jacinta Veloso Passos (Cruz das Almas 1914 – Aracaju, SE 1973) poeta, cronista, jornalista e ativista política baiana foi uma das baluartes da literatura feminina do século XX. As tradições africanas, as canções infantis e a cultura do fumo marcaram profundamente a sua poesia já que conviveu na infância com esses aspectos. Depois de 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial envolveu-se com a política participando de movimentos em favor da paz mundial e do final da ditadura do Estado novo. Envolveu-se, também, com grupos de esquerda. Seu segundo livro, Canção da Partida (São Paulo, Edições Gaveta), contendo dezoito poemas, três transcritos do livro anterior, recebeu excelentes críticas de intelectuais do porte de Aníbal Machado, Antonio Candido, Gabriela Mistral, José Geraldo Vieira, Mário de Andrade, Roger Bastide e Sérgio Milliet. Por um tempo viveu em Petrolina, PE, sozinha e em extrema pobreza depois que foi diagnosticada com esquizofrenia, sendo que em 1962 foi para Aracaju. Também morou sozinha  em Barra dos Coqueiros, povoação de pescadores situada em frente à cidade. Vivia em situação precaríssima em um casebre de madeira, à beira do rio. Tinha uma máquina de escrever, onde, à noite, datilografava poemas e textos políticos, que distribuía pelas ruas durante o dia. Numa época de grande agitação política, desenvolveu sozinha e ao lado de integrantes do PCB local, intensa militância junto a pescadores, estudantes e trabalhadores, inclusive após o golpe militar de 1964. Jacinta faleceu em um sanatório, internada depois que foi detida pichando os muros com palavras de ordem contra a ditadura. Jacinta publicou quatro livros: Nossos Poemas (1942), Canção da Partida (1945), Poemas Políticos (1951) e A Coluna (1957) – todos em edições pequenas. Foi casada com James Amado, irmão de Jorge Amado e teve apenas uma filha chamada  Janaína Amado, também escritora.  Jacinta militou e lutou incessantemente pelos excluídos, tendo sido, inclusive presa por sua posição contra os desmandos do governo da época. Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Jacinta.
  

CANTIGA DAS MÃES

Fruto quando amadurece
cai das árvores no chão,
e filho depois que cresce
não é mais da gente, não.
Eu tive cinco filhinhos
e hoje sozinha estou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Tão lindos, tão pequeninos,
como cresceram depressa,
antes ficassem meninos
os filhos do sangue meu,
que meu ventre concebeu,
que meu leite alimentou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Muitas vidas a mãe vive.
Os cinco filhos que tive
por cinco multiplicaram
minha dor, minha alegria.
Viver de novo eu queria
pois já hoje mãe não sou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Foram viver seus destinos,
sempre, sempre foi assim.
Filhos juntinhos de mim,
Berço, riso, coisas puras,
briga, estudos, travessuras,
tudo isso já passou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.


1935

Tenso como rede de nervos
pressentindo ah! novembro
de esperança e precipício.

Fruto peco.

Novembro de sangue e de heróis.

Grito de assombro morto na garganta,
soluço seco dor sem nome. Ferido.
De morte ferido. Como um animal ferido. Luta
de entranhas e dentes. Natal.
Sangue. Praia Vermelha.

Sangue.
Sangue. É quase um fio
escorrendo
sangrento
tenaz
por dentro dos cárceres,
nas ilhas
e nos corações que a esperança guardaram.



CANÇÃO DO AMOR LIVRE

Se me quiseres amar
não despe somente a roupa.

Eu digo: também a crosta
feita de escamas de pedra
e limo dentro de ti,
pelo sangue recebida
tecida
de medo e ganância má.
Ar de pântano diário
nos pulmões.
Raiz de gestos legais
e limbo do homem só
numa ilha.

Eu digo: também a crosta
essa que a classe gerou
vil, tirânica, escamenta.

Se me quiseres amar.

Agora teu corpo é fruto.
Peixe e pássaro, cabelos
de fogo e cobre. Madeira
e água deslizante, fuga
ai rija
cintura de potro bravo.
Teu corpo.

Relâmpago depois repouso
sem memória, noturno.


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