quinta-feira, 29 de março de 2012

EÇA DE QUEIROZ NA ESTANTE VIRTUAL


LIVRO: A RELÍQUIA
AUTOR: EÇA DE QUEIROZ
EDITORA: PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA


“A Relíquia” não é um dos melhores trabalhos do romancista português Eça de Queiroz (1845-1900). Na realidade é mais um documento, comprovando sua viagem ao Oriente, por volta de 1869, à época da inauguração do Canal de Suez. Na maior parte do romance Eça descreve, com pormenores, os lugares onde Jesus andou. Teodorico Raposo é um homem dividido entre a sua falta de moralidade e a herança de sua velha tia D. Patrocínio das Neves. Vê-se obrigado, então, a parecer-se religioso com a finalidade imperativa de se apropriar dos bens de sua tia quando essa viesse a falecer. Entretanto, momentos de engenhosa criação literária. 


sexta-feira, 23 de março de 2012

EU TAMBÉM HOMENAGEIO - UM CONTO DO MESTRE CHICO

O batizado da vaca
Chico Anysio


O lugar era tão bonito, o clima tão bom, as flores tão rosas e as vacas tão bovinas, que o chefe da família achou que valeria a pena comprar ali uma fazenda.

Consultou a família que, de pronto, foi contra. Isto colaborou demais para que o chefe da família entrasse, imediatamente, em conversações com o proprietário de uma, que se queria desfazer da fazenda, por achar que ela estava num lugar que não era lá essas coisas, o clima era idiota, as flores não fugiam daquela variedade: rosas, rosas, rosas, e as vacas, coitadas, eram simplesmente bovinas — numa total falta de imaginação. Vá-se querer que as vacas tenham isso!

O negócio foi fechado por um dinheiro grande, e a família tomou posse da propriedade dois dias depois, data que coincidia com a véspera do fim das férias.

A fazenda ficava num vale e era separada em duas partes por um córrego como o que só corre na infância dos escritores. Tinha matas e vacas, rosas e charcos, galinhas e caseiros.

— Uma idiotice, comprar essa fazenda — vaticinou a esposa, numa contrariedade de quem faz doze pontos.

— Comprar terra sempre é bom negócio ­vibrou o chefe da família, puxando o ar, a encher o peito com um cheiro de estrume que vinha do estábulo. — Olhe em volta. Até onde a vista alcança, tudo é nosso. Está vendo o abacateiro? É nosso; Aquele caqui-chocolate? É nosso. A carreira de jabuticabeiras? Nossa. O mato, a casa, a cocheira, o estábulo, o caminho, tudo é nosso. Esse céu, que cobre a fazenda, é o único pedaço de céu que é nosso, porque 0 da cidade é do governo. Aqui, mandamos nós, porque aqui tudo é nosso!

— Pra quê? — sintetizou a mulher, numa pergunta de esposa.

— Ora — explicou admiravelmente o chefe da família —, para ser nosso. Nossa terra, nosso chão, nosso cantinho, nossas rosas! — e pegou numa, furando o dedo.

Durante o curativo no dedo magoado um dos trabalhadores da fazenda aproximou-se com uma notícia muito importante: a fazenda acabava de crescer de valor pelo nascimento de uma bezerrinha.

Viu? — comentou, vitorioso, o chefe da família, batendo nas costas da esposa, de modo a fazê-la cuspir a primeira jabuticaba que tentava comer. - Nasceu uma vaquinha!

A notícia correu para os demais da família ao mesmo tempo em que, para os pais, corriam os filhos, estes, sim, felizes, ao saber do nascimento da novilha.

— É menino ou menina? — perguntou um menino que, de tão longos cabelos, nem se sabia se era menino ou menina.

- Não é assim que se fala, menino - esclareceu o pai. - A pergunta é: bezerra ou bezerro? É uma bezerrinha.

— Vamos ver? Vamos ver? gritavam os filhos a sugestão lógica das crianças que nunca viram vaca a não ser nos desenhos das latas de leite em pó. .

Foram. A vaca não deixou que se aproximassem da cria, que ficou sendo observada a distância pela família encantada e pelo caseiro indiferente e até um pouco irritado por haver uma vaca a mais no seu mundo.

— Quem é o pai? - perguntou a moça mais taluda.

—Um boi desses - errou 0 pai.

— Um touro! — corrigiu o caseiro, sabedor ele de que o boi é um touro que já era; boi é um touro que perdeu os documentos.

- Pois é — emendou o pai na mesma veemência —, um tourão danado desses. Olha a carinha dela. Os olhinhos ainda estão fechados.

— Vamos batizar! - gritou um menino.

— Boa idéia - concordou 0 chefe da família. — Quem vai escolher o nome?

— Eu. Eu. Eu. Eu — disseram, um a cada vez, os quatro filhos do casal.

E começou a discussão sobre o nome a ser posto na recém-nascida que, indiferente a tudo, mamava na mãe, provando, assim, que ela (a mãe) não era tão vaca quanto julgavam.

— Aretha Franklin!

— Janis Joplin.

— Jimi Hendrix — sugeriu o mais velho —, porque, até que me provem o contrário, essa vaquinha é touro; deixa levantar que vocês vão ver.

— É fêmea, que o caseiro viu — afirmou o pai, voltando-se para o caseiro, na indagação do que já afirmara: — O senhor não viu?

— Vi. É fêmea.

E tome de gritar nome: Califórnia, Disneylândia, Erva Maldita, Otorrinolaringologia... Havia os nomes sugeridos a sério e os de gozação. Todos os que citei eram os a sério. Finalmente, o bom senso ajudou a solucionar o impasse. Foi a esposa quem sugeriu o nome que lhe pareceu o mais indicado para a novilhazinha que mamava no seio vaquerno: Long Island.

— Desculpe — desculpou-se o caseiro por não entender.

— Long Island — repetiu a mulher com uma naturalidade de quem fala "mococa".

— A senhora podia escrever? — pediu o caseiro, confessando-se incapaz de decorar aquilo.

Arranjaram uma pequena tábua onde, com um prego, o chefe de família escreveu: LONG ISLAND, tabuazinha que, com o auxílio de um arame, ficou presa no pescoço da novilha para que ninguém, na fazenda, esquecesse que aquela jovem bovina atendia pelo nome de Long Island, nome que fica muito bem para parque de diversões, mas que não é dos mais adequados para quem cara de Mimosa, Formosa, Maravilha ou Vaquinha — modo, inclusive, que melhor ajuda o reconhecimento da peça.

Acabadas as férias, a família voltou à sua poluição metropolitana e só pôde retornar à fazenda dois anos depois.

Tudo continuava como dantes, com exceção de uma coisinha em pior estado, uma das quais o geral.

— Caseiro! — chamou o chefe de família, que não sabia que o caseiro tinha nome: José Caseiro da Silva.

— Pronto, doutor — obedeceu o caseiro meia hora depois, com a presteza de
um favor bancários.

— Como vai a novilha?

— Está uma vaca! — elogiou o caseiro de um modo que soou ofensa aos ouvidos da família.

— Já dá leite? — perguntou um dos filhos.

— Dá, né? respondeu o caseiro estranhando a pergunta, pelo fato de saber (ele é acostumado, porque vive ali) que as vacas não dão outra coisa senão leite.

— Pois eu quero beber um copo de leite da novilha — ordenou a esposa do chefe, madrinha de batismo da vaquinha.

E o caseiro, sem que a família ouvisse, comandou a um seu auxiliar que tirasse um pouco de leite da vaca "Tabuleta".


Chico Anysio
(Maranguape, CE - 12 de abril de 1931 - Rio de Janeiro, 23 de março de 2012)

UM CONTO DE ADRIANA LISBOA

Aventura
 Adriana Lisboa
Chuva de primavera —
Uma criança
Ensina o gato a dançar.
     
               Issa

No banco de trás do carro, meu filho dorme. Estacionamos em frente ao supermercado. Precisamos comprar para ele uma bola de futebol que não seja de couro, porque as de couro são muito pesadas. Na semana passada, vi no supermercado umas bolas de futebol coloridas. Multicoloridas. Roxo, amarelo, azul, acho que ele vai gostar.

Espero no carro pelo pai, que foi comprar a bola. Abro os vidros das janelas, entreabro as portas e espero. Ligo o rádio baixinho e um solo de oboé sublinha muito discreto o que vejo — as pessoas indo e vindo no estacionamento do supermercado, um azul domingo no céu. Carrinhos de compras cheios. Ouço uma frase num tom mais alto de voz, um tom aborrecido. Ouço uma gargalhada. À minha frente, na parede de pedra, as sombras deixam vazar um polígono de luz que vai sem pressa mudando de lugar.

Chegam os dois: o menino gordinho de camiseta cinza e a mulher que me parece muito jovem para ser mãe dele mas nunca se sabe. Ela sugere que se sentem um pouco para descansar, no muro baixo.  Sentam-se. O menino gordinho está muito suado e fica brincando de olhar ao redor sempre com um olho fechado. Os dois sentam-se ali por cinco, dez minutos. Depois a mulher sugere, vamos?, e ele obedece em silêncio, ainda com um olho fechado e uma expressão gozada na boca, um meio-sorriso torto e desleixado.

O solo de oboé há muito já deu lugar a uma grande orquestra. Desligo o rádio e espero pela bola colorida de futebol. No banco de trás do carro, meu filho dorme.


Adriana Lisboa
(Rio de Janeiro 1970)
Contista, romancista e autora de livro infanto-juvenis


quarta-feira, 21 de março de 2012

EURÍPEDES, COUTO E INDIRA NO DIÁRIO DOS PENSADORES


- O maior patrimônio do homem é uma esposa amorosa.

 -Eurípedes (Salamina 480 – Pela, Macedônia 406 a.C.) dramaturgo grego






- Não há nada, porém, perpétuo debaixo do sol, e os próprios reis se contam mais no exílio do que nos tronos.

-Miguel Couto (Rio de Janeiro 1865 – Idem 1934) médico, político e educador fluminense











 
- As mulheres podem ser tão firmes quantos os homens; embora não o pareçam ou não queiram parecer.

- Indira Gandhi (Allahabad 1917 – Nova Delhi 1984) estadista indiana









sexta-feira, 16 de março de 2012

PRETÉRITO PERFEITO


ENZO CARLO BARROCCO
                                                        Foto: Margi Moss
Uma estrada dos sonhos, Jalapão, TO!
A dream-road! Foto Margi Moss

Ontem está tão próximo
mas não consigo alcançá-lo
uma barreira invisível impede-me
a este ato tão simples.

Fui o que passou
o que nunca mais retorna
o irreconhecível homem que me tornei. 

 

ADÃO VENTURA: UM POETA DE RAÇA



EU, PÁSSARO PRETO

eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.


 

ADÃO VENTURA
 Poeta Mineiro
 *  Santo Antônio do Itambé 1946
 + Belo Horizonte, 2004

terça-feira, 13 de março de 2012

HAI-KAIS - 22ª TRÍADE

Enzo Carlo Barrocco



Na laranjeira
um velho balde amarelo
suspenso em flor.

***

A lagartixa
da fresta do muro baixo
espreita o tempo.

***

Caminho estreito
as margens enlameadas -
prossegue a chuva.

 

sexta-feira, 9 de março de 2012

AS RODAS DO TEMPO

Enzo Carlo Barrocco


 


Perdido e taciturno às noites turvas
sob luas que se lançam para oeste
o tempo é um cavalheiro que se veste
de fraque, estolão e grossas luvas.

Nunca deprecie seus passos lentos
pois um dia chegarão ao seu destino;
aqui um presságio cristalino:
a ele fiarás teus sentimentos.

Portanto, uma viagem sem retorno
estás realizando nesse instante,
todavia continua confiante,

desvia se houver algum transtorno,
repara na estrada e no contorno
da lívida paisagem adiante.

 
 

ALVARENGA PEIXOTO: O POETA INCONFIDENTE

Inácio José Alvarenga Peixoto, poeta fluminense (Rio de Janeiro 1744 – Ambaca, Angola 1793), estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janei...