O CONTISTA
Emanuel
Medeiros Vieira, catarinense de Florianópolis, contista e jornalista, no convés
da da fragata desde1945, já foi agraciado com diversos prêmios
literários. Seus 17 livros publicados têm dado
ao escritor notoriedade e prestígio junto ao seu público leitor. Nomes consagrados
da literatura nacional elogiaram e estudaram o obra de Emanuel, entre os quais Carlos
Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Antônio Cândido, Mário Quintana, ,
Hélio Pólvora, Assis Brasil, , Paulo Leminski entre outros outros. Atualmente o
escritor catarinense escreve para o blog literário “Nova
Klaxon”(www.novaklaxon.blogspot.com).
O CONTO
NUM MOTEL
TOSCO
Ela agora
está dormindo (ou finge que dorme). São três horas da manhã. Toalha na barriga,
em frente ao espelho. Estou velho e devastado. Sim, pelo espelho observo que
ela, por não perceber que também a estava vendo, está de olhos abertos. Olhos
abertos, parados. Infinitos. E vi que ela também estava velha e devastada.
Quando a conheci, naquela zona de Luziânia, ela era nova, bonita e morena e a
energia era grande. Já na primeira vez que saíra com ela, eu disse, “vou
arrumar grana e te tirar daqui.” Dizia isso todos os meses. Fevereiro: “Vou
arrumar grana e te tirar daqui”. “Vou arrumar grana e te tirar daqui.” No
começo ela ria, quem sabe, com uma ponta de esperança, continuou rindo alguns
meses, depois apenas fez silêncio, mas o rosto era ainda generoso. Mas os anos
passaram (certamente eu a amava), um, dois, cinco, dez e, no final, ela apenas
enterrava o rosto no travesseiro, enquanto eu olhava o que fora feito do meu
corpo naquele espelho de um motel vagabundo. Nesta madrugada — enquanto um
rádio toca uma guarânia —, fazem vinte e cinco anos da primeira vez. “Vou
arrumar grana e te tirar daqui.” (Isto queria dizer: casa, sustento, FAMÍLIA,
churrasco aos domingos no parque, uma missa anual, sorrisos, uma cachaça ao
anoitecer). Era o nosso anoitecer. Fiquei me olhando e senti um arrepio (que
nunca conseguirei descrever) pela minha devastação, os sulcos, as crateras no
rosto, o ralo cabelo branco, o ventre enorme e eu a olhando através do espelho
e ela, velha, carcomida também, ainda com algum traço daquela beleza tão
pretérita. “Fizemos nossas Bodas de Prata”, eu disse com um sorriso de dor
(crispado), como se vomitasse todos os restos de uma comida de véspera e
ficasse infinitivamente vazio. Ela não disse nada, olhos baços, parados.
Infinitos. É madrugada, eu a levo para a sua pensão, chove no asfalto,
silêncio. No rádio, uma outra música lancinante e vou deixando Lucinete na
pensão em que vive com outras prostitutas que um dia também foram jovens e que
deviam também ter ouvido promessas vãs (“Vou arrumar grana e te tirar daqui”) e
nada temos a dizer um para o outro. Apenas, um sinal vermelho no painel do
carro indica que o óleo está acabando.
Brasília, setembro de 1990
Brasília, setembro de 1990
Nenhum comentário:
Postar um comentário