Torres coroadas de brasas correndo atrás de comboios, a rubra boca rotunda dois faróis falando às vagas, e nas balizas celestes pipilo de estranhas aves.
Na orla da noite ornada de luzes senta-se o Rio, e, na escuridão profunda, em vermelho sobre o negro datilografa seu augúrio: chove amanhã em Rasunda.
A manhã já não divulga o chilreio das gaivotas, nem o marulho dos cascos de potros de escamas alvas se contorcendo feridos pela chama que os inunda.
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Sirenes, sinos, girândolas. Não se janta. Ninguém ama. E os rios descem salobros na larga face fecunda. Pais e filhos dormem juntos sobre os louros de Rasunda.
O velho Genival era daquelas pessoas desconfiadas e arredias com pessoas estranhas, mas com os conhecidos se tornava falante, ainda mais se estivesse com “duas” na cabeça. Certo dia deixou a bolsa tiracolo no banco comprido da sala do casal de irmãos Nogueira, solteirões convictos, enquanto ia ao igarapé tomar banho. Só Dona Regina, velha solteirona estava na casa. O enfezado Genival voltava do banho quando ouviu o velho Rinaldo, que havia retornado, perguntar: de quem é essa “borsa”? A irmã respondeu: é de “Genivalo” O pessoal da família Nogueira sempre acrescentava “O” no final das palavras terminadas em “L”. Genival, ignorante por toda a vida, apanhou a bolsa e foi embora sem, ao menos, se despedir, resmungando que pela frente o chamavam de “seu” Genival, mas por trás o chamavam apenas de Genival. Os dois velhos estupefatos entreolharam-se enquanto o desfeiteado sumia na curva do caminho.
O homemsolitário estende a mão, pega o livrosobre o sofá e retoma a leitura. Os aparelhos, à suavolta, permanecem desligados. O homemlê Kafka, “Na colôniapenal”. Umsilêncio de estúdiotomaconta do apartamento. Talvez seja noite no Brasil. O homemsolitárioentrega o mundo, láfora, ao seunatural desconcerto. E sente emsilêncio, enquanto lê, o quanto dói pensar, o quanto dóicriar, "o quanto dói viver".
Abgar Renault
(Barbacena 1901 - Rio de Janeiro 1995)
Na rua feia, de casas pobres, morreu o filhinho daquela mulher que lava o linho rico de um bairro distante. Morreu bem simplesmente, assim como um passarinho. O enterro saiu...lá vai... um caixãozinho azul num carro velho de 3a. classe. Atrás dois autos. Dois. A tarde irá pôr luto na rua feia, de casas pobres? Garotos brincam de esconder atrás do muro de cartazes. Lá no alto vai-se abrindo grande céu sem mancha cruzeiro-do-sulmente iluminado.
Antônio reparou quando a viúva Costa, furtivamente, entrou nos aposentos do padre Bruno. Será que o padre estava lá? Lembrou da fenda no forro de madeira que dava para o quarto do pároco. Ah, não! – pensou – vou ver o que ela foi fazer lá! O sacristão subiu pela escada da sala e foi para o quarto da fenda, justamente sobre o cômodo do pároco. Antônio achou a cena grotesca. A viúva, sentado em uma das pernas do padre, o beijava desesperadamente. Um segundo à frente o padre abriu a batinae pôs o seu sexo à mostra. A viúva o agarrou delicadamente, acariciando-o, ao mesmo tempo em que entreabria a perna colocando o seu sexo também à mostra, já que, naquele momento, não usava calcinha. Antônio não suportou ver o resto da cena. Impossível imaginar o respeitabilíssimo padre Bruno naquela situação. Antônio, nessa mesma tarde, pediu dispensa da função.
Eram 6 e 30 e, embora a manhã estivesse claríssima para Regian era uma manhã muito triste. Ao longe o ruído conhecido do velho ônibus de todos os dias, exceto aos domingos, que levaria para a cidade, depois de 20 dias, a prima Odila. Apaixonou-se pela prima de 14 anos, olhos grandes e pretos, cabelos longos e tez parda. Não teve a devida coragem de interpelá-la quando, por vezes, existia a possibilidade. O ônibus parou entre as duas casas do lugar, abriu a porta dianteira e esperou. Regian, por trás de uns velhos coqueiros observava as despedidas; sentiu um aperto, mas o que fazer? O coletivo, empoeirado da estrada, desapareceu por trás do mato.
- Fala de novo como foi que aconteceu? - Mas eu já contei três vezes! Marionaldo insistia par que eu contasse novamente como flagrei Soninha se masturbando no caminho do Pequiá. - “Égua do cara insistente!!”. Tá bom eu conto! Pô, mas é só essa vez! Foi assim: - Eu tinha ido à vivenda dos Brito devolver um arco-de-pua que eu tinha emprestado do Nenzinho quando no retorno, às proximidades da Curva do Ipê, avistei Soninha. Apressadamente me escondi para dentro do mato para fazer uma espécie de brincadeira com ela, já que nos conhecíamos há tempos e eu, sem nenhuma maldade, achava que aquilo não iria causar a ela nenhum tipo de dano. O curioso é que antes de chegar onde eu estava escondido, Soninha entrou numa vereda do outro lado da estrada de terra deixando-me frustrado quanto à brincadeira que iria fazer. Mas por que ela entrou no mato? Atravessei a estrada me escondendo pelas touceiras de sororoca e vislumbrei Soninha se agachando ao lado de um tronco caído. Aproximei-me um pouco tomando cuidado para não fazer ruído nas folhas secas e, evidentemente, não ser percebido. Estranhei, pois ela estava com a calcinha nas mãos. Se fosse fazer xixi, pensei, deixaria a calcinha pelos joelhos. Ajeitou-se na direção para onde eu estava. Entreabria as pernas e olhava, olhava e entreabria as pernas novamente. A essa altura eu já estava louco. De repente, Soninha começou a esfregar os dedos por cima da racha. Já havia largado a calcinha e os pêlos estavam cortados rentes. Com a mão esquerda abria os grandes lábios para um dos lados e com os dedos da mão direita esfregava sofregamente o clitóris. Aqui e acolá apertava os bicos dos seios, parava um pouco, tomava fôlego e continuava, fazendo uma expressão de quem vai chegar ao orgasmo. Pensei surpreendê-la, mas sem saber a reação dela, desisti, pois não queria perder aquele belíssimo espetáculo Eu estava ali, escondido pelas touceiras de sororocas assistindo tudo gratuitamente. Nesse momento, com os dedos lambuzados, Soninha os enfiava na vagina, fazendo o conhecido movimento de vai-e-vem. Por fim, voltou a esfregar os dedos no grelo róseo e carnudo completamente encharcado pelo húmus vaginal. Por vezes os esfregava no ânus. Quando chegou ao orgasmo se vergou para trás apoiando-se com as costas no tronco caído. Que cara linda ela fez quando estava no auge do gozo! Como estava, vestiu rapidamente a calcinha, se ajeitou e apressou o passo. Fiquei ali por alguns minutos, quase sem forças para me levantar, pois eu não resisti à cena e, como Soninha, também “fiz justiça com as próprias mãos”.
o torcicolo, de incômodo, fez-se providencial.: impediu-o de presenciar a cena de ciúme que sua namorada protagonizou bem ao seu lado e que, fatalmente, o levaria a torcer o pescoço da sirigaita.
Veio um homem e disse algo no ouvido da viúva chorosa. Eu, Celito e Marcílio não conseguimos discernir o que o homem dissera. Percebemos, entretanto, que a viúva esboçou um sorriso. Sabíamos, em caráter oficioso, que Eurídice traía, amiúde, nosso distraído amigo. Daquele momento em diante passamos a desconfiar do homem de óculos de grau e jaqueta jeans que se aproximou de Eurídice ainda há pouco. Quando levantaram o caixão para pô-lo no carro fúnebre o homem do sussurro pegou em uma das alças e, nesse momento, apenas eu percebi que Eurídice com o rosto voltado para o homem, abrira um discreto e gracioso sorriso. Eu, que não tinha nada a ver com isso, não comentei com ninguém. Em vista disso, que prossiga o enterro!