sexta-feira, 31 de agosto de 2007

OUTEIRO

RUY BARATA: A POESIA DO BAIXO-AMAZONAS


Ruy Barata
Santarém 1920 - São Paulo 1990
Poeta, compositor e político paraense

PRIMEIRO DE MAIO

Surja esse verso de maio,
trazido pelos arcanjos,
um verso que faça maio,
o maio dos desenganos,
e fel transforme em doçura,
rendilhando de ternura,
os meus fracassos humanos.

Um verso que me decifre,
nas horas de ansiedade,
que não sendo antologia,
seja a minha humanidade,
levando por onde for,
os meus suspiros de amor
e gritos de liberdade.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

JIRAU DOS CÉLEBRES: ROBERTO DINAMITE

por Enzo Carlo Barrocco

Roberto Dinamite: o artilheiro de São Januário
Carlos Roberto de Oliveira, o Roberto Dinamite, fluminense de Duque de Caxias, ex-jogador de futebol e atualmente político, no convés da fragata desde 1954, logo cedo começou a mostrar a intimidade com a bola. O curioso é que Roberto, na infância, foi torcedor do Botafogo. Aos 12 anos já era titular do Esporte Clube São Bento, time do bairro onde morava em Duque de Caxias. Depois Roberto foi convidado a treinar nas categorias de base do Vasco e, um mê
s depois, já estava jogando nos juvenis. Após um ano no clube, Roberto aumentou 15 quilos, graças a um rigoroso trabalho de musculação. No campeonato carioca de juvenis de 1970, foi o artilheiro do Vasco com 10 gols. Vê-se daí que Roberto nasceu para ser artilheiro. Por aqueles tempos, o técnico da equipe principal “um tal” Mário Travaglini, o relacionou para a disputa do Campeonato Brasileiro de 1971. O apelido “Dinamite” foi criação dos jornalistas Eliomário Valente e Aparício Pires, ambos vascaínos e que trabalhavam no Jornal dos Sports. O primeiro gol de Roberto Dinamite no time profissional do Vasco aconteceu no dia 28 de novembro de 1971 contra o Internacional no Maracanã. Roberto atuou pelo time profissional do Vasco da Gama de 1971 a 1980, quando se transferiu para o Barcelona da Espanha, mas infelizmente não se adaptou voltando três meses depois a São Januário ficando até 1989. Alto e forte, Dinamite usava com muita inteligência seu corpo e dificilmente perdia a bola para um adversário, tornando-se um grande perigo na área inimiga. Ele conseguiu uma média de 36 gols por temporada nos 22 anos de carreira - disputou 1.108 partidas. No final da carreira recebeu convite para jogar pela Portuguesa de Desportos, em 1989 e disputou pelo time do Canindé, o campeonato brasileiro daquele ano. Em seis meses jogando em São Paulo, Roberto marcou nove gols que o ajudaram a atingir a histórica marca de190 gols, tornando-se o maior artilheiro do Campeonato Brasileiro. Em 1991 Roberto também jogou pelo Campo Grande, disputando o Campeonato Carioca. Na Seleção Brasileira, Dinamite esteve nas Copas de 1978 e 1982, embora nesta última, o técnico Telê Santana não tenha escalado o artilheiro vascaíno em nenhuma partida. Hoje, Roberto Dinamite exerce o mandato de Deputado Estadual, visto que desde 1991 vem desenvolvendo essa atividade. Rival de Eurico Miranda, atual presidente do vascaíno, Roberto já perdeu por duas vezes as eleições para a presidência do Vasco.
NÚMEROS E MARCAS DE ROBERTO DINAMITE:
Pessoais
Artilheiro do Campeonato Brasileiro: 1974 (16 gols) e 1984 (16 gols)
Artilheiro do Campeonato Carioca: 1978 (19 gols), 1981 (31 gols) e 1985 (12 gols)
Estatísticas
Temporadas em que atuou: 22
Jogos pelo Vasco: 1.110 (recorde)
Maior Artilheiro em Campeonatos Brasileiros: 190 gols
Maior Artilheiro em São Januário: 184 gols
Gols Marcados
Em Clubes e na Seleção
Vasco da Gama: 708 gols
Barcelona: 3 gols
Portuguesa: 11 gols
Amistosos: 36 gols
Total: 784 gols na carreira
Portanto, o esporte brasileiro deve muitíssimo a Roberto Dinamite, profissional exemplar que deu grandes alegrias às torcidas vascaína e brasileira. Eu, particularmente, tenho absoluta certeza que Roberto continuará lutando pelo engrandecimento do esporte do Rio de Janeiro e do Brasil.

A DIVERSIDADE POÉTICA DE JOAQUIM MONCKS


Joaquim Moncks
Pelotas 1946
Poeta, ensaísta, ativista cultural e político gaúcho


MATÉRIA ARDENTE

(a Miguel Torga, poeta português)

Ainda em elaboração,
matéria ardente, o poema
vai tomando forma e corpo.

A seu destino segue a pedra
cinzelada com o buril
da técnica,
alguma experimentação,
e olho vivo
no inconsciente coletivo.

O suspiro e a rebeldia,
por ora, têm esta cara deslavada...


segunda-feira, 27 de agosto de 2007

JIRAU DI/VERSO nº 7

JIRAU DI/VERSO
Nº 07 – setembro.2006
por Enzo Carlo Barrocco
A poesia goiana de Gabriel Nascente
O POEMA

MOVIMENTOS DE UMA TARDE

A tarde se debruça sobre os ombros da cadeira.
Andorinha faz xixi no muro, ninguém aplaude.
o céu empurra seu quinhão de nuvens
para o sossego das varandas.

É caseiro esse fim de domingo
no olhar do povo, no perfil das árvores.

Maçã-de-amor, picolés, perfumes vagabundos:
o povo passeia livre dos onívoros da pátria.

E na varanda a folhagem (suprema lembrança
do verde) está suspensa:
será que o céu
lhe dá socorro?

Barão, o querençoso cão de casa,
entrevou-se na velhice e chora
como alguém de costas para a vida.


O POETA

Gabriel José Nascente, poeta, novelista, romancista e jornalista, goiano da capital, no convés da fragata desde 1950, é autor de quase trinta livros principalmente de poesias. Nascente se mostra um poeta autêntico e seus textos dão a verdadeira dimensão do ofício da palavra. Menotti Del Picchia (São Paulo 1892 – Idem 1988), poeta da melhor estirpe, se rendeu à magnífica poesia deste poeta de Goiânia.
***

ESTANTE DE ACRÍLICO
Livros Sugestionáveis

“O Primeiro Beijo e Outros Contos”.
Autora: Clarice Lispector
Edição: Editora Ática.
São doze contos laboriosamente escritos, numa explanação clara e limpa. Cada conto é um poema em prosa. Surpreendentes, inventivos e com imagens belíssimas.

“Brasão de Barro” (poesias)
Autor: Antônio Juraci Siqueira
Edição do Autor
A facilidade que tem de falar da Amazônia faz de Juraci um dos melhores poetas paraense da atualidade. Em Brasão de Barro se observa a linguagem puramente regional.

“Escolha Seu Sonho” (crônicas)
Autora: Cecília Meireles
Edição: Record
Cecília é, inegavelmente, uma de nossas maiores autoras e, aqui, põe toda a sua sensibilidade a serviço da arte de escrever. Uma aula de como observar poeticamente a vida.
***

A FRASE DI/VERSA
O número dos que nos invejam confirmam nossa capacidade.
- Oscar Wilde (Dublin 1854 – Paris 1900) poeta, contista e dramaturgo irlandês.

***

DA LAVRA MINHA





sexta-feira, 24 de agosto de 2007

ETERNIDADE



A IMAGEM PERFEITA DA DESTRUIÇÃO

Crônica
por Enzo Ca
rlo Barrocco

Queimadas no Pará: crimes hediondos que degradam o meio-ambiente

É impressionante o descaso para com o meio-ambiente por parte das autoridades, sejam elas municipais, estaduais ou federais. Assisti a uma reportagem no sábado, 18.08, em uma emissora de televisão falando que o Pará é o Estado da Amazônia que mais provocou queimadas no mês de agosto. Imagens que mostravam áreas a beiras de estradas com fogo tão alto e cortinas de fumaça intransponíveis que motoristas e motoqueiros, algumas vezes, tinham que recuar. Fazendeiros inescrupulosos que realmente só pensam em seus próprios lucros e que põem fogo nessas áreas para, algum tempo depois, essas áreas virem pasto para o gado. Pequenos agricultores que apenas trabalham pela própria subsistência, também produzem este tipo de artifício, às vezes, inconscientemente, não atentando para o perigo que as queimadas representam para plantas animais e pessoas. Aí eu pergunto: onde estão os órgãos do Governo que não agem contra este tipo de atividade e que, em alguns casos, são verdadeiros crimes contra a vida humana? Onde estão os órgãos estaduais do Pará responsáveis por florestas e meio-ambiente? Por que não imputar multas pesadas a esses fazendeiros que pensam ser os donos do Estado? Pequenos lavradores deveriam receber treinamento em outras técnicas que substituam a famigerada queimada. E os Ibamas da vida, onde estão? Só neste mês de agosto o satélite do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectou mais de dois mil focos de queimadas em todo o Estado, inclusive ultrapassando o Estado de Mato Grosso neste item. O Pará se transformou numa fornalha. O trágico disso tudo é que não é apenas o Pará que vive esse horrível drama, mas vários Estados brasileiros, principalmente e lamentavelmente aqui no norte do Brasil e Centro-Oeste. Em todo o planeta a biodiversidade grita por clemência, e pessoas, sem nenhum escrúpulo estão acelerando todo o processo de destruição. Francamente: apelar para quem?

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

CRUZ E SOUZA : O GÊNIO DO SIMBOLISMO


Cruz e Souza
Nossa Senhorado Desterro, atual Florianópolis 1861 - Barbacena, MG 1898
Poeta catarinense



MANHÃ

Alta alvorada. — Os últimos nevoeiros

A luz que nasce suavemente espalha,

Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.

Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrídula batalha
De elementos contrários e altaneiros.

Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vão se fundindo nos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeão do oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

O DIÁRIO DOS PENSADORES - PÁGINA 8

Não há virtude tão grande que esteja livre da tentação.
- Immanuel Kant (Konisberg 1724 – Idem 1804) filósofo alemão

O fato de ter nascido me estraga a saúde.
- Clarice Lispector (Tchelchenik 1925 – Rio de Janeiro 1977) romancista brasileira nascida na Ucrânia

Faz-me bem apanhar, vez ou outra, a chuva da vida.
- Henry Longfellow (Portland 1807 - Cambridge 1882) poeta americano

Se você obtém sucesso é sempre pelas razões erradas. Se você se torna popular é sempre pelos piores aspectos de sua vida.
- Ernest Hemingway (Oak Park 1899 - Ketchum 1961) romancista americano

Porque o poema
ninguém sabe como nasce, como
a vida o engendra,
que pétala entra em sua composição
que voz, que latido de cão;
ninguém sabe.
- Ferreira Gullar (São Luiz 1930) poeta, contista, cronista, dramaturgo e ensaísta maranhense

Deus é cheio de compaixão. Mas há só uma coisa que ele não perdoa. Quando uma mulher chama um homem para a sua cama e ele não vai. Deus detesta os tolos.
- Nikos Kazantzakis (Candía, atual Iraklion, Ilha de Creta 1885 – Fribourg, Suíça 1957) poeta, romancista e dramaturgo grego

Os dias prósperos não vêm do acaso; são granjeados, como as searas, a muita fadiga e com muitos intervalos de desalento.
- Camilo Castelo Branco (Lisboa 1825 - Freguesia de Seide, Vila Nova de Famalicão 1895) poeta, dramaturgo, romancista, crítico, cronista, novelista, historiador e jornalista português.

Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. A alma dos homens ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança.
- Charles Chaplin (Londres 1889 - Corsier-sur-Vevey, Suíça 1977) ator e cineasta inglês

Dos amigos ofendidos, saem os piores inimigos.
- Baltasar Gracián (Calatayud 1601 - Zaragoza 1658) ensaísta, filósofo e religioso católico espanhol


A POESIA CEREBRAL DE MÁRIO FAUSTINO


Mário Faustino
Teresina 1930 - Em um acidente aéreo na cidade de Lima, Peru 1962
Poeta, jornalista e crítico literário piauiense

Soneto

Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso

Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

PAISAGENS DO HIMALAIA - “O LEGADO DA PERDA” É UM ACHADO

Resenha
por Enzo Carlo Barrocco



"O Legado da Perda": boa surpresa em 2007.

“O Legado da Perda” (Objetiva, 2007, 292 página) levou nada mais, nada menos que oito anos para ser escrito e tem estreita relação com a experiência da própria autora. Kiran Desai, indiana de Chandigarh, no convés da fragata desde 1971, ambienta sua narrativa numa aldeia longínqua de seu belo país. Um juiz sisudo e fechado, pretendendo fugir do mundo que só trouxe a ele desilusões, se isola num casebre no sopé do Monte Kanchenjunga, no Himalaia. Diante de vários problemas com a neta adolescente que se apaixona pelo professor de matemática, e com o fiel cozinheiro que só pensa no filho que tenta a sorte trabalhando ilegalmente nos Estados Unidos, ainda tem que conviver com uma revolta indo-nepalesa prestes a eclodir que trará sérios problemas a vida de todos os moradores da região. A globalização é apenas um dos muitos assuntos abordados por Kiran. Alguns dilemas humanos enfrentados por uma gama de personagens que vão do colonialismo aos conflitos de religião, de raça e do nacionalismo. Com “O legado da Perda”, Kiran recebeu o prestigiadíssimo prêmio “Man Booker Prize” do ano passado. O detalhe é que a autora escreveu parte do livro quando esteve, por algum tempo, no Rio de Janeiro. Disse ela: “Não tenho dúvidas que muitas das passagens do romance situadas nas comunidades pobres do Himalaia foram influenciadas pelas impressões que levei das favelas cariocas”. Kiran soube muito bem dosar assuntos que são temas principais neste início de século. O jornal americano The New York Times comentou: “Kiran Desai explora, com muita intimidade e propriedade, praticamente todos os dramas da contemporaneidade internacional: globalização, multiculturalismo, desigualdade econômica, fundamentalismo e violência terrorista. Apesar de ambientado em meados dos anos 1980, é atual como o melhor tipo de romance pós-11 de setembro”. Atualmente Kiran reside em Nova York, mas antes de sair da Índia com apenas 14 anos morou na Inglaterra. Kiran é a mulher mais jovem a vencer o Prêmio Man Booker Prize, que é um prêmio somente para autores da língua inglesa.


TRECHO DO LIVRO "O LEGADO DA PERDA"

Um

Durante todo o dia as cores tinham sido como as do anoitecer, neblina deslizando como uma criatura de água pelos grandes flancos de montanhas tomadas por sombras e profundidades oceânicas. Brevemente visível acima do vapor, o Kanchenjunga era um pico distante talhado em gelo, absorvendo o resto da luz, no topo uma pluma de neve soprada alto pelas tormentas.

Sentada na varanda, Sai lia um artigo sobre lulas-gigantes num exemplar antigo da National Geographic. De vez em quando, levantava os olhos para o Kanchenjunga, observava sua mágica fosforescência com um arrepio. Sentado num canto isolado com seu tabuleiro de xadrez, o juiz jogava consigo mesmo. Enfiada debaixo de sua cadeira, onde se sentia segura, estava Mutt, a cachorra, roncando baixinho no sono. Uma única lâmpada nua pendia do fio no alto. Fazia frio, mas dentro da casa era ainda mais frio, a escuridão, o ar gélido contidos por paredes de pedra muito espessas.

Ali, nos fundos, dentro da cozinha cavernosa, estava o cozinheiro tentando acender a lenha úmida. Mexia nos gravetos com cuidado, por medo da comunidade de escorpiões que vivia, amava e se reproduzia na pilha. Uma vez, encontrara uma mãe, inchada de veneno, com 14 bebês nas costas.

O fogo enfim se acendeu e ele colocou a chaleira em cima, tão amassada, tão encoscorada como uma coisa escavada por uma equipe arqueológica, e ficou esperando que fervesse. As paredes eram chamuscadas, encharcadas, alhos pendurados pelos caules encardidos nas vigas queimadas, chumaços de fuligem grudados como morcegos no teto. A chama lançou um mosaico alaranjado brilhante sobre o rosto do cozinheiro, e a metade superior de seu corpo esquentou, mas um vento gelado torturava a artrite de seus joelhos.

A fumaça subiu pela chaminé e saiu, misturou-se à névoa que ganhava velocidade, a chegar cada vez mais densa, escurecendo as coisas por partes: metade de uma montanha, depois a outra metade. As árvores, transformadas em silhuetas, surgiam e submergiam de novo. Gradualmente, o vapor tomou o lugar de tudo, objetos sólidos viraram sombra e nada restou que não parecesse moldado ou inspirado no vapor. O alento de Sai voava em nuvens de suas narinas e o diagrama de uma lula-gigante construída inteiramente de fragmentos de informação, sonhos de cientistas, afundou inteiramente nas trevas.

Ela fechou a revista e saiu para o jardim. No limiar do gramado, a floresta era antiga e densa; as touceiras de bambu subiam a mais de três metros na escuridão; as árvores eram gigantes ataviadas de musgo, encaroçadas e tortas, cheias de tentáculos das raízes de orquídeas. A carícia da névoa em seu cabelo parecia humana e, quando estendeu os dedos, o vapor tomou-os delicadamente na boca. Pensou em Gyan, o professor particular de matemática, que devia ter chegado há uma hora com seu livro de álgebra.

Mas já passava das quatro e meia e ela usou a neblina pesada para desculpá-lo.

Quando olhou para trás, a casa havia desaparecido; ao subir de volta os degraus da varanda, o jardim desapareceu. O juiz tinha adormecido e a ação da gravidade sobre os músculos relaxados puxava para baixo as rugas de sua boca, fazia pesarem as faces, mostrava a Sai exatamente como ele ia fi car quando morresse.

- Onde está o chá? - ele acordou e exigiu. - Ele está atrasado - disse o juiz, falando do cozinheiro, não de Gyan.

- Vou buscar - ela ofereceu.

A cor cinzenta tinha vindo também para dentro, pousou na prataria, fuçou pelos cantos, transformou o espelho do corredor em nuvem. Ao entrar na cozinha, Sai viu de relance a própria imagem se borrar e inclinou-se para gravar seus lábios na superfície, um beijo de estrela de cinema perfeitamente desenhado.

- Oi - disse, meio para si mesma, meio para alguém.

Nenhum humano jamais vira uma lula-gigante viva, e embora elas tivessem olhos do tamanho de maçãs para varrer o escuro do oceano, sua solidão era tão profunda que podiam jamais encontrar outra de sua tribo. Sai sentiu-se banhada pela melancolia dessa situação.

(...)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

COM EVANDRO DO BANDOLIM POR OUTROS CAMPOS DE TRIGO

por Enzo Carlo Barrocco


Evandro: um gênio do bandolim

Josevandro Pires de Carvalho, o Evandro do Bandolim, instrumentista e compositor paraibano (João Pessoa 1932 – São Paulo 1994) aos dois anos de idade se transferiu com a família para o Rio de Janeiro. O pai de Evandro tocava violão, vindo daí o seu interesse desde muito cedo pela música. Evandro começou a tocar aos treze anos, quando já freqüentava as rodas de choro. Foi muitas vezes convidado para participar de gravações e shows com músicos e cantores brasileiros, tais como: Altamiro Carrilho, Cartola, Elza Soares, Elizeth Cardoso e tantos outros. No início da carreira, Evandro tocou em algumas rádios como Tupy e Mayrink Veiga. Aos 29 anos lançou seu primeiro LP pela gravadora Chanteclair e, ao mesmo tempo, fixou residência em São Paulo. Por sua paixão pelo choro, sua carreira foi marcada por sucessos e prestígio, tendo gravado cerca de duas dezenas de LPs no Brasil, um na França e quatro CDs gravados no Japão onde se apresentava anualmente desde 1991. Na televisão Evandro foi presença constante em programas como: “Festa Baile”, “Brasil Rural”, “Bem Brasil”, “Viola Minha Viola”, “Canta Brasil” e “Perdidos na Noite”. Apenas um dos seus oito filhos seguiu carreira como músico. Volnei chegou a tocar pandeiro no regional de Evandro. Como compositor, Evandro criou “Meu Bandolim no Choro”, em parceria com Daniel; “Não te Metas”, em parceria com Amador Pinho e “No Tempo do Rapé”, com Niquinho. Em sua homenagem foi criada a “Sala Evandro do Bandolim” na loja de instrumentos Contemporânea, em São Paulo. A música popular brasileira deve muitíssimo a Evandro do Bandolim que fez do choro a sua razão de viver. A discografia de Evandro inclui: Evandro do Bandolim (1961) Chanteclair LP, Meu bandolim no choro. Evandro e Seu Conjunto (1977) Chantecler LP, Cordas que choram (1978) Copacabana Discos LP, O bandolim brasileiro de Evandro (1991) CD, Evandro e o Conjunto Roda de Choro (1991) Tartaruga. Japão CD, Valsas brasileiras (1992) Tartaruga. Japão CD, Memórias (c/obras de Jacob do Bandolim) (1993) Gravadora Tartaruga. Japão CD, Memórias, volume 2 (1994) Gravadora Tartaruga. Japão CD, Evandro do Bandolim e seu Regional interpretam 24 sucessos (1997) Gravadora Movieplay CD. Quando você tiver a oportunidade de ouvir Evandro, ouça-o, um mestre na arte do choro.

BOCAGE: A POESIA ROMÂNTICA PORTUGUESA


Manuel Maria l’Hedoux de Barbosa du Bocage

Setúbal 1765 - Lisboa 1805

Poeta Português

Invocação à Noite

Ó deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:

Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d'amor os sôfregos instantes:

Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!

Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

JIRAU DIVERSO Nº 6

JIRAU DI/VERSO
Nº 06 – agosto.2006 

por Enzo Carlo Barrocco

A poesia paranaense de Eno Teodoro Wanke

O POEMA
 

ANOITECER DO NATAL

Maria sonha. Está muito cansada.
José conduz de leve a montaria
e a deixa dormitar. Pobre Maria!
Que longa e que monótona jornada.

A noite vai se pondo sobre a estrada.
A luz é uma cortina fugidia...
Cochila a moça. E sente, todavia,
a vida no seu ventre agasalhada.

Sonhando uma criaturinha ativa
predestinada ao seu carinho e bem
sorri, na suave antevisão festiva...

José suspira. Pára um pouco. Além,
a noite revelou, caritativa,
as luzes palpitantes de Belém.

O POETA

Eno Teodoro Wanke (Ponta Grossa 1929 – Rio de Janeiro 2001) poeta paranaense. Eminentemente poeta, Wanke esteve às voltas com, praticamente, todos os gêneros literários. Excelente sonetista (como se vê no poema acima) e trovador apurado, esse paranaense, em certos momentos se valia de um humor aristocrático para dar vida a seus belíssimos escritos. A nova geração de leitores necessita descobrir este excelente e indiscutível poeta.
§§§§§

ESTANTE DE ACRÍLICOLivros Sugestionáveis
“Memórias Póstumas de Brás Cubas” (Romance)
Autor: Machado de Assis
Edição: Editora América do Sul Ltd.
A prosa machadiana, no seu melhor estilo, aparece aqui em “Memórias Póstumas...” Um texto agradável, bem-humorado, à maneira de Machado.


“Quarentena” (poemas e contos)
Autor: Dilermando Cardoso
Edição do Autor
Dilermando e o seu jeito singular de fazer poesias. O texto rápido, sem meneios, sem metáforas, mas de uma expressividade cativante. Dê atenção co conto “Fruto Proibido”.


“Onde” (Romance)
Autor: Jorge Mun
Edição: SEMEC (Belém – Pará)
Romance selecionado em 1985, pela Comissão Pró-Cultura da Secretaria Municipal de Educação de Belém, entre outros trabalhos, enviados àquela instituição. Jorge Mun e sua verve latente.

§§§§§

A FRASE DI/VERSA
Felicidade é ter o quer fazer.
- Aristóteles (Estagira 384 – Eubéia 322 a. C.) filósofo grego

§§§§§

DA LAVRA MINHA




§§§§§

terça-feira, 14 de agosto de 2007

O DIÁRIO DOS PENSADORES - PÁGINA 7

A mulher é mais instintiva e mais lúcida do que o homem na sua inteligência. Mas isso não lhe garante nenhuma superioridade nessa matéria.
- Fernanda Montenegro (Rio de Janeiro 1930) atriz fluminense

A coisa é que devemos viver com os vivos.
- Michel de Montaigne (Périgord 1533 – Bordeaux 1592) ensaísta francês

A amizade é um contrato pelo qual nos comprometemos a prestar pequenos serviços a alguém, a fim de que ele nos preste grandes favores.
- Charles Montesquieu (Bordéus 1689 – Paris 1755) filósofo francês

Inútil tentar uma filosofia definitiva da existência, porque a vida sempre se compraz em zombar de todas as filosofias.
- Viana Moog (São Leopoldo 1906 – Rio de Janeiro 1988) romancista, ensaísta e jornalista gaúcho

O meu amor sozinho é assim como um jardim sem flor.
- Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro 1913 – Idem 1980) poeta, compositor e cantor fluminense

Depois de certa idade todo homem é responsável por seu rosto.
- Albert Camus (Mondovi 1913 – Villeblevin, França 1960) romancista, dramaturgo, ensaísta e jornalista francês, nascido na Argélia

Se formos mudar as coisas de modo como devem ser mudadas, teremos de fazer coisas que não gostaríamos de fazer.
- John Kennedy (Brookline 1917 – Dallas 1963) político e ex-presidente americano

Nada nos torna tão grandes como uma grande dor.
- Alfred de Musset (Paris 1810 - Idem 1857) poeta, romancista e dramaturgo francês

A prova de que o ser humano é a mais nobre das criaturas é que nenhuma outra criatura jamais negou.
- Georg Lichtenberg (Oberramstadt bei Darmstadt 1742 - Göttingen 1799) filósofo alemão

A velhice tem atitudes de infância, mas sem os encantos da meninice.
- Alceu Amoroso Lima (Petrópolis 1893 – Idem 1983) filósofo, diplomata e ensaísta fluminense

Antes de começares a criticar os defeitos dos outros, enumera, ao menos, dez dos teus.
- Abraham Lincoln (Hodgenville 1809 - Washington 1865) político e ex-presidente americano


ACENDAMOS UMA VELA NO ALTAR DE GOETHE


Johann Wolfgang von Goethe
Frankfurt am Main 1749Weimar, 1832
Poeta, romancista, dramaturgo e ensaísta alemão


Só quem já sentiu saudade

Só quem já sentiu saudade,
Quanto sofro há de entender:
Sozinha aqui, longe vivo
De todo e qualquer prazer.
Nos céus meu olhar fixado,
Um só lado quer rever.
Ai! Quem me ama e de mim sabe
Mui distante foi viver.
O tempo todo estonteada,
As entranhas a me arder:
Só quem já sentiu saudade,
Quanto sofro há de entender!

Tradução: Carlos Bechtinger



sexta-feira, 10 de agosto de 2007

COMO CHEGAR AO FUNDO DO POÇO OU A ARTE DE DESMANTELAR UM TIME DE FUTEBOL

Crônica
por Enzo Carlo Barrocco


O Papão da Curuzu: vivendo o seu inferno astral.


Eu sempre disse e continuarei a dizer que só torço por duas equipes no mundo. A primeira é o velho Papão da Curuzu, o Paysandu Sport Club, o Papão da Amazônia, o Papão de Títulos. A segunda, evidentemente, é a Seleção Brasileira, que todos sabemos, cinco vezes campeã do mundo e tantos outros títulos. O fato é que em nenhum momento de sua longa história de 93 anos, o Paysandu esteve em uma situação tão complicada. Em um grupo da Série C junto com Ananindeua aqui do Pará, Imperatriz do Maranhão e o Araguaína do Tocantins, conseguiu o “maravilhoso” feito de empatar uma partida apenas, dentro de casa com o Ananindeua, perdendo todas as demais, ficando em antepenúltimo lugar, à frente somente do Guará do Distrito Federal (o lanterna) e do ASA de Arapiraca, Alagoas. Uma derrocada sem precedentes: da 1ª Divisão, caindo para a Segundona e, por último, agora em 2007, descendo para o inferno da 3ª Divisão. É impressionante a incompetência dos cartolas brasileiros em especial as duas diretorias mais recentes do Paysandu nas pessoas de seus presidentes, que nem vou mencionar os nomes para não dar cartaz a esses sacripantas e que deveriam ser banidos definitivamente do futebol, responsáveis pela atual situação do nosso time. A corrupção que assola todos os níveis da política brasileira, infelizmente, também grassa em nosso futebol e em outras modalidades do esporte brasileiro. Para um time que já foi 42 vezes campeão estadual, duas vezes campeão brasileiro da Série B (1991 e 2001), campeão da Copa Norte em 2002, campeão da Copa dos Campeões em 2002, batendo as maiores equipes do futebol do Brasil e, ainda, participação na Copa Libertadores da América em 2003, vencendo o poderosíssimo Boca Júnior dentro do Estádio La Bobonera, em Buenos Aires, é de se lamentar. Para uma equipe que já contou em seus quadros com jogadores renomados como Quarentinha, João Tavares (o João-Sem-Medo) e Bené, “O Tanque da Curuzu” nos anos 1960; Roberto Bacuri (o deus dos espaços) e Dario ( “o Beija-Flor”) nos anos 1970; Yarlei, hoje jogando no Internacional; Sandro Goiano, hoje jogando no Grêmio (esses dois mais recentemente) é, realmente deplorável. Saudosismo? Pode ser! Mas não devemos esquecer que nós torcedores devemos cobrar o direito que temos de vermos nosso time disputando novamente os principais torneios do futebol brasileiro. Não devemos esquecer, também, que essa situação se deve em muito aos técnicos incompetentes que passaram pela Curuzu, que não foram poucos, verdadeiros distribuidores de camisas, pois de futebol não entendem absolutamente nada, visto que trouxeram para cá jogadores descompromissados com a causa bicolor, pernas-de-pau que estiveram aqui pensando tão-somente em ganhar dinheiro. Estou escrevendo esta crônica, já que não pude ir à curuzu hoje, ouvindo por uma emissora de rádio a última partida do Paysandu pela Terceirona de 2007, sofrendo para não levar gol do Imperatriz. Simplesmente lamentável. Esperei o final da partida para dizer o resultado: Imperatriz 1 x 0. Simplesmente lamentável.

FERREIRA GULLAR E A POESIA TIMBIRA


Ferreira Gullar
São Luís 1930
Poeta, cronista e dramaturgo maranhense

Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A FLORESTA DEVASSADA – O OURO DA AMAZÔNIA É A SUA BIODIVERSIDADE

Resenha
por Enzo Carlo Barrocco


O Livro de Ouro da Amazônia: Instigando as autoridades ‘incompetentes’.

O Livro de Ouro da Amazônia: Mitos e Verdades Sobre a Região Mais Cobiçada do Planeta (Ediouro, 2004, 397 páginas) não é um lançamento novo, como visto, no entanto é de boa nota fazer uma resenha a respeito deste belíssimo livro. João Meirelles Filho, embora paulista de nascimento, veio morar em Belém para melhor sentir e entender esta importante região do Brasil. Como a maioria das pessoas conhece pouquíssimo a respeito da Amazônia, este livro mostra de maneira muito clara a floresta em seus vários aspectos: geográfico, histórico, político, ambiental, demográfico. João Meirelles Filho, além de mostrar todas as mazelas por quais a Amazônia vem passando ao longo desses anos todos, com intensificação nos últimos 50 anos, reparte com o leitor soluções para alguns dos problemas que afligem esta região. Meirelles também fala das lendas e crendices que fazem parte do universo amazônico. Destaque para o Capítulo IV – Vida Amazônica – A Biodiversidade, no qual o autor fala de árvores e bichos - a fauna e a flora partes fundamentais no intrincado ecossistema da região. O livro reúne também um glossário das espécies vegetais e animais apresentados com seus nomes científicos, medidas, abreveaturas e siglas. A bibliografia apresentada no livro é excelente e inclui a recomendação de filmes relacionados ao tema. Todos os capítulos são ilustrados com belas imagens em preto e branco de diversos fotógrafos, entre os quais o próprio Meirelles e do excelente profissional Araquém Alcântara (Florianópolis 1951) que também é jornalista. Aliás, Araquém assina um excelente ensaio fotográfico no livro. Portanto, o Livro de Ouro da Amazônia é uma raríssima oportunidade para se conhecer essa região tão cobiçada e, por isso, tão devastada pela ganância e pela irresponsabilidade dos espertalhões de plantão.

Trecho do Livro de Ouro da Amazônia: Mitos e Verdades Sobre a Região Mais Cobiçada do Planeta

(...)

A Amazônia tem um significado muito maior para seus habitantes, para os países que a colheram para a humanidade. Na ânsia de conquistar, domar, esquecemo-nos do principal – para quem é importante a Amazônia? Para que substituir a floresta complexa pelo pasto para bife se há tantas opções para gerar matérias-primas, renda, emprego, e principalmente, qualidade de vida e felicidade?

As Nações Unidas definem desenvolvimento sustentável como “satisfazer as necessidades das atuais gerações sem comprometer a habilidade de futuras gerações em atender às suas próprias necessidades”. Em vez de lançarmos os nossos “astronautas”, os melhores médicos, ambientalistas, cientistas, empresários, etc. para se dedicar à Amazônia, preferimos enviar os menos instruídos, mais afoitos, mais desavisados e mais gananciosos.

A Amazônia deverá ter um futuro adequado quando a floresta em pé valer mais do que um caminhão de bois ou de tábuas para o canteiro de obras na periferia de São Paulo. Será brasileira, venezuelana ou boliviana, no momento em que viajar para a região for mais excitante do que comer pipocas num parque temático na Flórida. E, principalmente, na ocasião em que a vida humana tiver mais valor do que um naco de ouro ou um pedaço de terra, em que pararmos algumas horas conhecer e venerar uma das belas mitologias indígenas.

A vocação florestal

A importância de Amazônia para a humanidade depende da máxima manutenção dos ambientes em seu estado conservado. Como a maior parte é coberta por florestas, trata-se de uma vocação nitidamente florestal.

Segundo Norman Myers, as florestas tropicais, apesar de conterem 70% das espécies vegetais do planeta, contribuem muito pouco como fontes de matérias-primas florestais. A razão está no pequeno conhecimento que temos da floresta e na pouca difusão do que sabemos e de suas possibilidades de uso. Das 90 mil espécies de plantas da América do Sul, pouco mais de 1% foram devidamente testadas para os diferentes usos apresentados neste capítulo. Menos de 10% das espécies testadas são utilizadas em escala comercial representativa. Isso significa, segundo o cientista, que estamos na pré-história do aproveitamento das florestas tropicais.

Para Herbert Shubart, “a vocação de terras firmes da Amazônia, no que toca à produção econômica, é nitidamente florestal”. O cientista, assim como grande parte dos especialistas, recomenda o regime consorciado, “a associação no espaço e no tempo de culturas alimentícias de ciclo curto com culturas arbóreas de ciclo longo, tanto de produtos comercializáveis, como a borracha, o cacau, o dendê e outros, como de essências madeireiras” (...) “Essa lição da floresta sugere claramente que os projetos em pequena escala, intensivamente manejados, diversificados, têm maiores possibilidades de ser bem-sucedidos do que os grandes projetos agroindustriais baseados na monocultura”.

As doze vocações

Se há onze ameaças, besta do apocalipse, que comem a Amazônia, há um exército celestial de 12 vocações, 12 talentos, 12 competências, fortes razões para que o amazônida, o brasileiro, o peruano, o boliviano, o cidadão do mundo diga: “Eu tenho orgulho de que a Amazônia preste esses serviços à humanidade”:

  1. Os serviços ambientais
  2. A água
  3. Os minerais
  4. A produção de solo
  5. A energia das plantas
  6. A farmácia da floresta
  7. A vocação madeireira
  8. Os produtos florestais não madeireiras
  9. Os produtos alimentares vegetais
  10. O artesanato
  11. A aqüicultura, a pesca de subsistência e a pesca esportiva
  12. O ecoturismo e os estudos do meio

(...)

(Págs:. 253 a 255)

terça-feira, 7 de agosto de 2007

ANJOS LILASES



EDUARDO GUIMARÃES: UM SIMBOLISTA GAÚCHO


Eduardo Guimarães
Porto Alegre 1892 - Rio de Janeiro 1928
Poeta gaúcho

Doçura de Estar Só...

Doçura de estar só quando a alma torce as mãos!
— Oh! doçura que tu, Silêncio, unicamente
sabes dar a quem sonha e sofre em ser o Ausente,
ao lento perpassar destes instantes vãos!

Doçura de estar só quando alguém pensa em nós!
De amar e de evocar, pelo esplendor secreto
e pálido de uma hora em que ao Seu lábio inquieto
floresce, como um lírio estranho, a Sua voz!

E os lustres de cristal! E as teclas de marfim!
E os candelabros que, olvidados, se apagaram
E a saudade, acordando as vozes que calaram!
Doçura de estar só quando finda o festim!

Doçura de estar só, calado e sem ninguém!
Dolência de um murmúrio em flor que a sombra exala,
sob o fulgor da noite aureolada de opala
que uma urna de astros de ouro ao seio azul sustém!

Doçura de estar sós Silêncio e solidão!
Ó fantasma que vens do sonho e do abandono,
dá-me que eu durma ao pé de ti do mesmo sono!
Fecha entre as tuas mãos as minhas mãos de irmão!

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O CANTEIRO UNIVERSAL DE CECÍLIA MEIRELES

por Enzo Carlo Barrocco
A poeta, cronista e jornalista fluminense Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro 1901 - Idem 1964), foi educada pela avó materna, visto que ficou órfã muito cedo. Foi diplomada como professora pelo Instituto de Educação do Rio de Janeiro em 1917. Como educadora participou do movimento de renovação do sistema educacional brasileiro. Em 1934, Cecília fundou a primeira biblioteca infantil do Brasil. Lecionou, também, literatura luso-brasileira na Universidade do Rio de janeiro, à época Distrito Federal, entre 1936 e 1938. Em 1940, ensinou na Universidade do Texas, Estados Unidos. Cecília começou a sua vida literária em 1919, com o lançamento do seu primeiro livro. Passou pelo neoparnasianismo e pelo simbolismo e chegou a ser atraída em, 1922, pela revolução modernista, mas não chegou a pertencer efetivamente a esse grupo, mantendo a independência que sempre a caracterizou. O seu livro "Viagem", lançado em 1939 foi premiado pela Academia Brasileira de Letras. Intimismo, lirismo, misticismo e universalidade são as principais características da obra de Cecília Meireles. Sua contribuição à poesia brasileira se deu com os livros: Espectros, de 1919; Nunca Mais e Poema dos Poemas, de 1923; Baladas Para El Rei, de 1925; Viagem, de 1939; Vaga Música, de 1942; Mar Absoluto, de 1945; Retrato Natural, de 1949; Amor em Leonoreta, de 1952; O Aeronauta, de 1952; Romanceiro da Inconfidência, de 1953; Pequeno Oratório de Santa Clara, de 1955; Pistóia, de 1955; Canções, de 1956; Romance de Santa Cecília, de 1957; A Rosa, de 1957; Metal Rosicler, de 1960; Poemas Escritos na Índia, de 1962; Salombra, de 1964; Ou Isto ou Aquilo, de 1964. Alguns poemas de Cecília foram musicados e se transformaram em belas músicas da MPB, inclusive os belíssimos poemas “Canteiros” e “Noturno”, musicados pelo cantor e compositor cearense Raimundo Fagner (Fortaleza 1949). Moderna sem tocar no Modernismo, imortal sem ter se preocupado com a imortalidade, Cecília é, ao meu ver, a mais profícua poeta brasileira de todos os tempos. Imensa e intemporal a belíssima poeta brilhará eternamente no céu de nossa literatura. Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Cecília.
DESTINO
Pastora de nuvens, fui posta a serviço
por uma campina desamparada
que não principia e também não termina,
onde nunca é noite e nunca madrugada.
(Pastores da terra, vós tendes sossego,
que olhais para o sol e encontrais direção.
Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo.
Eu, não.)
Pastora de nuvens, por muito que espere,
não há quem me explique meu vário rebanho.
Perdida atrás dele na planície aérea,
não sei se o conduzo, não sei se o acompanho.
(Pastores da terra, que saltais abismos,
nunca entendereis a minha condição.
Pensais que há firmezas, pensais que há limites.
Eu, não.)
Pastora de nuvens, cada luz colore
meu canto e meu gado de tintas diversas.
Por todos os lados o vento revolve
os velos instáveis das reses dispersas.
(Pastores da terra, de certeiros olhos,
como é tão serena a vossa ocupação!
Tendes sempre o indício da sombra que foge...
Eu, não.)
Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto
do dono das reses, do dono do prado.
E às vezes parece que dizem meu nome,
que me andam seguindo, não sei por que lado.
(Pastores da terra, que vedes pessoas
sem serem apenas de imaginação,
podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!
Eu, não)

Pastora de nuvens, com a face deserta,
sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planície eterna
que gira debaixo dos meus pés descalços.
(Pastores da terra, tereis um salário,
e andará por bailes vosso coração.
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não.)

CANÇÃO DA ALTA NOITE

Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.
Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.
Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.
Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
Andar... - enquanto consente
Deus que a noite seja andada.
Porque o poeta, indiferente,
anda por andar - somente.
Não necessita de nada.
TIMIDEZ
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
— mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
— que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
— e um dia me acabarei.

ALVARENGA PEIXOTO: O POETA INCONFIDENTE

Inácio José Alvarenga Peixoto, poeta fluminense (Rio de Janeiro 1744 – Ambaca, Angola 1793), estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janei...