por Enzo Carlo Barrocco
Antônio Frederico de Castro Alves, poeta baiano (Muritiba 1847 – Salvador 1871) demonstrou muito cedo vocação apaixonada para a poesia. De Salvador para onde fora com a família em 1853, mudou-se para o Recife onde continuou os estudos. Por essa época conheceu o poeta e ensaísta sergipano Tobias Barreto (Campos, atual Tobias Barreto 1839 – Recife 1889) através do qual foi integrado à vida literária e acadêmica. Por volta de 1866, iniciou apaixonada ligação amorosa com a atriz portuguesa Eugênia Câmara que desempenhou importante papel na sua vida literária e particular. Daí para frente o poeta entrou numa fase de excepcional inspiração. Em 1868 viaja para São Paulo em companhia de Eugênia, matriculando-se no 3º ano da Faculdade de Direito, na mesma turma de seu conterrâneo Rui Barbosa (Salvador 1849 – Petrópolis, RJ 1923) que viria a ser depois jornalista, ensaísta e jurista respeitabilíssimo. Por essa época, durante uma caçada, acidentalmente a descarga de uma espingarda feriu seu pé esquerdo, sendo depois, sob a ameaça de gangrena, amputado no Rio de Janeiro em meados de 1869. De volta à Bahia no ano de 1870 contraiu tuberculose. No mês de novembro de 1870 saiu seu primeiro e único livro publicado em vida, “Espumas Flutuantes”. Daí por diante, apesar da saúde debilitada, produziu seus mais belos versos, animado por um derradeiro amor, platônico por sinal, Agnese Murri (cantora). A poesia de Castro Alves se distingue por duas vertentes: a vertente lírico-amorosa e a feição social e humanitária. O vigor da paixão e a intensidade amorosa são colocados em seus versos de uma maneira completa. Enquanto poeta social deu sua contribuição inestimável aos anseios revolucionários e liberais do século XIX. Castro Alves foi o anunciador da abolição da escravatura e da proclamação da república que viriam alguns anos depois. Foi devoto apaixonado pela causa abolicionista o que lhe valeu o título de “O Cantor dos Escravos”. Embora atemporal, alguns o rotulam como pertencente à terceira geração de românticos, representante do Condoreirismo, comportamento artístico e poético da última fase do romantismo brasileiro. Fiquemos, portanto, com três raríssimas jóias produzidas pelo vasto universo da mente de Castro Alves.
Coração
O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.
O outro — voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor. —
Fabíola
Como teu riso dói... como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!
Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito...
Fabíola!... É teu nome!... Escuta é um grito,
Que lacerante para os céus s'eleva!...
E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores...
É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!
Boa noite
Boa noite, Maria! Eu vou,me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde. .
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite! ... E tu dizes - Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
— Mar de amor onde vagam meus desejos!
Julieta do céu! Ouve... a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti? ... pois foi mentira...
Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
É noite ainda! Brilha na cambraia
— Desmanchado o roupão, a espádua nua
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua. . .
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
— São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora. . .
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
— Boa noite! — formosa Consuelo.
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