segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

CINCO DÚZIAS DE POEMAS – UM PRESENTE DE GREGO

Resenha

por Enzo Carlo Barrocco



60 Poemas: um pequeno apanhado de Kaváfis

A poesia grega vem à baila com o excelente trabalho 60 Poemas (Ateliê Editorial, 2007, 160 páginas), escritos pelo excepcional Konstantinos Kaváfis (Alexandria 1863 – Idem 1933) magistralmente traduzidos por Trajano Vieira (professor de Língua e Literatura Grega do IEL) dando a oportunidade para o leitor brasileiro entrar em contato com a poesia grega mais recente. A sutileza coloquial sempre acompanhou Kaváfis em sua poesia e isso Trajano busca levar para sua tradução. Segundo alguns críticos, existe algo de Borges em Kaváfis, uma vez que sua maneira ambígua de escrever dá a ele essa conotação. A poesia deste autor grego excita sempre a uma provocação, pois a marginalidade permanente no que diz respeito a memória é um dos seus principais argumentos. Kaváfis desdenha dos chamados falsos artistas da palavra, que ele caracteriza como verborrágicos e prolixos. Nesse ponto concordo plenamente com o autor grego. Lembro aqui uma frase de Mario Quintana, um dos nossos maiores poetas: “Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese”. Pois Bem! O espírito Alexandrino de Kaváfis é obscurecido, em certas traduções, pela maneira prosaica na qual é vertido. Portanto, se entregue à poesia inconteste de Konstantinos Kaváfis, poeta de Alexandria, um dos berços da civilização.


UM POEMA DE KAVÁFIS

ESPELHO DA ENTRADA


À entrada da mansão
havia um grande espelho muito antigo,
comprado pelo menos há mais de oitenta anos.

Um rapaz belíssimo, empregado de alfaiate
(e nos domingos atleta diletante)
estava ali com um pacote.

Deu-o a alguém da casa, que o levou para dentro
com o recibo. O empregado do alfaiate
ficou sozinho, à espera.

Acercou-se do espelho e mirou-se
para ajeitar a gravata. Após cinco minutos,
trouxeram-lhe o recibo e ele se foi.

Mas o antigo espelho, que vira e revira
nos seus longos anos de existência
coisas e rostos aos milhares;
mas o antigo espelho agora se alegrava
e exultava de haver mostrado sobre si
por um instante a beleza culminante.

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