por Enzo Carlo Barrocco
Ano passado Patativa do Assaré, cujo nome verdadeiro era Antônio Gonçalves da Silva (Assaré 1909 – Idem 2002) ganhou uma antologia de sua obra poética pelas mãos do também poeta, dramaturgo e compositor cearense Cláudio Portella (Fortaleza 1972), admirador confesso do grande poeta. Patativa do Assaré, Coleção Melhores Poemas (Editora Global, 2006, 384 páginas) reúne, como o próprio nome sugere, os melhores poemas desse cearense, inclusive com estudo introdutório assinado por Portella. A poética de Patativa se destaca pelo teor sociocultural. A preocupação que o poeta tinha pela sua gente tão penalizada do Nordeste, o sofrimento do sertanejo, o descaso dos políticos com as causas mais urgentes da região, enfim um digno representante do povo abandonado daqueles lados do Brasil. Assaré era um homem extremamente simples, mas com o raríssimo dom de lidar com as palavras. Com uma memória extraordinária, sabia de cor seus mais de mil poemas sem errar uma palavra. Os versos de Assaré não precisavam de ajustes, nasciam perfeitos. O livro contém belos poemas que foram gravados por alguns dos mais importantes cantores da MPB, entre os quais o Pernambucano Luiz Gonzaga (Exu 1912 – Recife 1989) e o conterrâneo de Patativa, Raimundo Fagner (Fortaleza 1949) . Os versos pungentes, a escrita forte deste filho do Vale do Cariri que também foi compositor, cantor e improvisador, é de uma beleza suprema. Os intelectuais brasileiros e também de fora do país se renderam à poesia do velho cantador tanto que Assaré foi alvo de estudos na Universidade de Sorbonne, em Paris, França, assim como na Universidade Federal do Ceará e na Universidade de São Paulo. Patativa do Assaré viveu 93 anos deixando para seus leitores um legado que Cláudio Portella, inteligentemente, reuniu neste livro. Não deixe de conhecer a poesia excepcional de Patativa do Assaré, cego de um olho, semi-analfabeto, lavrador (trabalhou na roça até os 70 anos de idade), mas de uma incrível sensibilidade. Um poeta na verdadeira acepção da palavra.
UM POEMA DO LIVRO PATATIVA DO ASSARÉ, COLEÇÃO MELHORES POEMAS
Caboclo Roceiro
Caboclo Roceiro, das plagas do Norte
Que vive sem sorte, sem terra e sem lar,
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o meu pranto me ponho a chorar
Que vive sem sorte, sem terra e sem lar,
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o meu pranto me ponho a chorar
Ninguém te oferece um feliz lenitivo
És rude e cativo, não tens liberdade.
A roça é teu mundo e também tua escola.
Teu braço é a mola que move a cidade
És rude e cativo, não tens liberdade.
A roça é teu mundo e também tua escola.
Teu braço é a mola que move a cidade
De noite tu vives na tua palhoça
De dia na roça de enxada na mão
Julgando que Deus é um pai vingativo,
Não vês o motivo da tua opressão.
De dia na roça de enxada na mão
Julgando que Deus é um pai vingativo,
Não vês o motivo da tua opressão.
Tu pensas, amigo, que a vida que levas
De dores e trevas debaixo da cruz
E as crises constantes, quais sinas e espadas
São penas mandadas por nosso Jesus
De dores e trevas debaixo da cruz
E as crises constantes, quais sinas e espadas
São penas mandadas por nosso Jesus
Tu és nesta vida o fiel penitente
Um pobre inocente no banco do réu.
Caboclo não guarda contigo esta crença
A tua sentença não parte do céu.
Um pobre inocente no banco do réu.
Caboclo não guarda contigo esta crença
A tua sentença não parte do céu.
O mestre divino que é sábio profundo
Não faz neste mundo teu fardo infeliz
As tuas desgraças com tua desordem
Não nascem das ordens do eterno juiz
Não faz neste mundo teu fardo infeliz
As tuas desgraças com tua desordem
Não nascem das ordens do eterno juiz
A lua se apaga sem ter empecilho,
O sol do seu brilho jamais te negou
Porém os ingratos, com ódio e com guerra,
Tomaram-te a terra que Deus te entregou
O sol do seu brilho jamais te negou
Porém os ingratos, com ódio e com guerra,
Tomaram-te a terra que Deus te entregou
De noite tu vives na tua palhoça
De dia na roça, de enxada na mão
Caboclo roceiro, sem lar, sem abrigo,
Tu és meu amigo, tu és meu irmão.
De dia na roça, de enxada na mão
Caboclo roceiro, sem lar, sem abrigo,
Tu és meu amigo, tu és meu irmão.
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